Em um dos casos, larvas ainda vivas
foram retiradas de uma cadela
DIEGO DOS
REIS
A veterinária do Centro de Controle de Zoonoses que atendeu os 29
cães e gatos retirados da casa do protetor William Ribeiro confirmou ontem, 6, que
os animais estavam em situação de maus tratos.
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Cadela foi encontrada com bicheira em uma das patas FOTO: Arquivo pessoal |
Segundo ela, uma cachorra foi encontrada com miíase (bicheira) em
uma das patas dianteiras. A profissional encontrou larvas ainda vivas no corpo
do animal. Além disso, a cadela estava com quadro febril e sentindo muita dor, bem
como sangramento no local da ferida.
Um outro cachorro apresentou lesões em uma das orelhas e na
região da nuca. De acordo com a veterinária, o ferimento estava com crostas e
secreção purulenta. Também foi verificado sinais de um spray usado em bois na área
lesionada.
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Várias lesões sem tratamento foram encontradas na orelha e na nuca de um cachorro FOTO: Arquivo pessoal |
Durante a retirada dos animais, uma outra veterinária encontrou
um mata-bicheiras indicado apenas para uso em animais de grande porte ao lado
do cachorro. Na oportunidade, o protetor foi questionado sobre o produto e
afirmou que o produto pode ser aplicado em animais de pequeno porte.
A reportagem pesquisou o rótulo do produto e verificou que as
informações do protetor não condizem com as recomendações do fabricante (imagem
abaixo). De acordo com a empresa, o mata-bicheiras é “indicado para o uso
em bovinos”. O rótulo ainda traz o aviso: “manter fora do alcance de crianças e
animais domésticos”.
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FONTE: Internet |
O protetor relatou que o mesmo cachorro estava há três dias
apresentando convulsões e que estava tomando um remédio controlado para evitar o
aparecimento das crises. Inicialmente, Ribeiro não informou a dosagem correta que
estava sendo ministrada ao animal.
Segundo a veterinária do CCZ, o cachorro não apresentou convulsões
desde que deu entrada no órgão. A profissional atribui o controle das crises ao
ajuste da dosagem da medicação.
Por fim, um filhote de gato de aproximadamente três meses
apresentou quadro de gripe felina. O animal estava com dificuldade para
respirar e secreção nos olhos e nariz.
De acordo com o CCZ, o protetor não comprovou que os animais
estavam em tratamento, já que nenhuma prescrição médica foi apresentada ao
órgão. O CCZ informou ainda que nunca foi procurado por Ribeiro para oferecer atendimento
veterinário aos três animais.
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Momento em que os animais dão entrada no CCZ FOTO: Arquivo pessoal |
ENTENDA O CASO
Uma denúncia de maus tratos resultou na retirada de 29 animais,
entre cachorros e gatos, da residência de William Ribeiro, conhecido por atuar
como voluntário na causa animal. Há um ano, ele ocupa um cargo de assessor na
administração do prefeito José Maria Costa (DEM).
A denúncia foi feita pela Associação Protetora dos Animais de
Piraju (APRAPI) com base em depoimentos preocupantes sobre a situação dos
cachorros e gatos mantidos na casa do protetor. A polícia também recebeu
denúncias anônimas sobre o caso.
Sob o comando do delegado Adriano Leite de Assis, a polícia foi
até a casa do denunciado, que fica no Portal Ecológico do Salto do
Paranapanema. O protetor autorizou a entrada da polícia no imóvel.
O delegado designou uma veterinária particular para avaliar as
condições do espaço e dos animais. A profissional ficou encarregada de elaborar
um laudo da situação. De acordo com Assis, “alguns animais estavam em condições
inadequadas”.
A autoridade policial foi informada pelo denunciado que todos os
animais foram retirados das ruas, e só foram levados para o imóvel porque a
prefeitura não ofereceu espaço para abrigá-los.
Diante disso, o delegado entrou em contato com o diretor do
Departamento de Defesa Animal, João Antonio Galvão Junior, e pediu o
remanejamento dos animais para uma área mantida pela prefeitura. Depois de
alguns minutos, o titular da pasta informou à polícia que o CCZ estava à
disposição para receber os 29 cães e gatos.
Dois animais precisaram de atendimento logo que deram entrada no
CCZ. Uma cadela estava com um ferimento profundo em uma das patas dianteiras. A
veterinária designada pela polícia constatou que o animal estava sentindo muita
dor.
Um outro cachorro estava com um ferimento em uma das orelhas. A
exemplo do caso anterior, a lesão estava aberta, sem nenhum curativo. Um
representante da Associação Protetora dos Animais, que também acompanhou a
diligência, verificou que os ferimentos estavam com mau cheiro e atraindo
muitas moscas.
Uma veterinária ouvida pela reportagem analisou as imagens da
APRAPI e verificou que as feridas não apresentavam sinais de qualquer tipo de
cuidado. “Isso já configura maus tratos porque o animal não pode ser omitido de
cuidados veterinários”, afirma.
Sem tratamento adequado, a ferida pode gerar miíase (bicheira) e
desencadear uma infecção generalizada. De acordo com ela, esse tipo de caso
exige inicialmente a realização de tricotomia (remoção dos pelos) como forma de
facilitar a assepsia diária do ferimento, contribuindo assim para agilizar a
cicatrização.
Em paralelo, animais nessas condições devem receber antibiótico
e anti-inflamatório. “A situação de dor pode também interferir no apetite do
animal e levá-lo ao emagrecimento”, explica.
Segundo a APRAPI, os animais estavam vivendo em condições
insalubres. Cachorros foram encontrados abrigados em estruturas improvisadas,
com lonas rasgadas e pisando nas próprias fezes. Como estava chovendo no
momento do flagrante, a precariedade do espaço ficou ainda mais explícita.
Os gatos estavam em um espaço sujo e com infiltração. Os animais
estavam urinando e defecando em uma área desprovida de limpeza. Fezes foram
encontradas amontoadas em um saco. Outras – todas secas, o que indica que não
foram feitas recentemente – estavam espalhadas no chão.
Não havia nenhum pote com ração dentro do gatil. Alguns gatos foram
encontrados se alimentando no chão úmido. Um pequeno galão foi localizado no
gatil com água esverdeada. A APRAPI registrou toda a situação em vídeo.
Durante a diligência, um gato acabou sendo adotado por um dos
policiais civis. Após dar entrada no CCZ, o animal foi levado para a casa do
policial. Segundo ele, o gato estava abatido e com um cheiro muito forte de
urina por todo o corpo, fato que reforça a tese de que os animais estavam
dividindo espaço com a própria sujeira na residência do protetor.
Um outro gato que também foi retirado da casa do protetor estava
bastante debilitado. O animal – o mais novo de todos os que estavam no gatil –
aparentava estar doente. Todos os 29 animais passaram por atendimento no CCZ.
Segundo o delegado, o protetor afirmou que todos os animais
foram encontrados nas ruas, e que só foram levados para a casa porque a
prefeitura não os acolheu. A reportagem apurou que a informação não é verídica.
De acordo com uma fonte, a maioria dos animais pertencia a William Ribeiro antes
mesmo dele entrar na prefeitura, ou seja, antes de janeiro de 2021.
Além da sujeira no espaço ocupado pelos animais, o veículo
público usado pelo assessor estava complemente imundo. Seringas foram
encontradas com medicamento já aspirado. Devido a falta de acondicionamento
adequado, os remédios estavam impróprios para uso.
No compartimento de carga, dois sacos com ração foram
encontrados abertos e com ração exposta no piso sujo da carroceria. O espaço
usado pelo assessor para transportar animais estava sem manutenção.
William Ribeiro foi procurado pela reportagem para comentar o
caso. Ele preferiu não se manifestar no momento.
Já a prefeitura informou via e-mail que desconhecida a situação
encontrada pela polícia na casa do assessor justamente por ser um imóvel
particular. “Em nenhum momento a municipalidade forçou ou mesmo solicitou ao
referido assessor que levasse animais para sua residência”, diz.
A administração disse à reportagem que Ribeiro relatou à
prefeitura que estava levando animais para sua residência “por livre vontade do
mesmo”, já que não havia espaço no CCZ e no canil municipal. De acordo com a
prefeitura, o município nunca custeou nenhuma despesa alimentícia e/ou
veterinária dos animais abrigados na casa de Ribeiro.
Sobre o recolhimento dos 29 animais no CCZ, a prefeitura relatou
que isso só foi possível através do “remanejamento” dos cães e gatos que já
estão abrigados no órgão. O questionamento levou em conta o fato de o CCZ
costumeiramente alegar que não possui espaço para recolher animais.
A prefeitura informou que o veículo usado pelo assessor já foi
encaminhado para revisão “visando melhorar as condições de uso do mesmo”.
Por fim, a administração relatou inicialmente que estava “analisando”
a permanência de Ribeiro no quadro de assessores da prefeitura. Dias depois, a
prefeitura confirmou que ele permanece na administração, porém sem atuar no
resgate de animais.
A Polícia Civil confirmou que irá instaurar inquérito para
apurar possível crime de maus tratos. De acordo com o novo texto da Lei de
Crimes Ambientais, a pena para maus tratos foi ampliada de dois a cinco anos de
prisão. A medida ainda prevê multa e proibição de guarda.