quarta-feira, 28 de março de 2018

A ferida de hoje e a ferida de amanhã

Diego dos Reis de Oliveira

Por volta das 17h45 desta quarta-feira, 28, uma moradora foi até minha casa. Ela tinha acabado de flagrar um gato com um enorme ferimento na cabeça. O animal estava numa árvore localizada na Rua Major Diogo Goulart, altura do número 98, no Jardim Jurumirim.

FOTO: Diego dos Reis de Oliveira

A cidadã entrou em contato comigo por saber que atuo como voluntário na Associação Protetora dos Animais de Piraju (APRAPI). Preocupada, a cidadã perguntou se eu poderia acionar o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), uma vez que ela estava sem celular.

Ao ser informado que o gato estava a alguns metros da minha casa, lancei-me imediatamente em direção ao local. Assim que constatei a veracidade do caso, telefonei para o chefe do CCZ, Marcelo Vieira.

Ele estava na Vila Tibiriçá – praticamente do outro lado da cidade –, socorrendo um cachorro que fora vítima de atropelamento. Vieira foi enfático ao dizer que as veterinárias do CCZ suspenderam o atendimento médico fora do horário de expediente porque a prefeitura não está pagando hora-extra.

O chefe da repartição questionou-me se havia alguém disponível para resgatar o animal e levá-lo para uma determinada clínica veterinária da cidade. Detalhe: ele não ofereceu nenhuma garantia de que o médico fosse prestar o serviço. A impressão que ficou foi a de que teríamos que contar com a sorte.

Em resposta, eu disse que, naquele momento, estava sozinho no local e que não poderia fazer nada, a começar pela impossibilidade de subir na árvore. E mesmo que eu subisse, onde eu iria colocar o animal? E se o gato estivesse fraturado? Penso que qualquer manejo inadequado poderia agravar ainda mais a saúde do felino.

Na sequência, telefonei para o diretor do Departamento Administrativo, Paulo Sara. O responsável tomou conhecimento do caso e, de imediato, assumiu o compromisso de falar com o chefe do CCZ a fim de definir a logística em torno do resgate e encaminhamento do animal.

Minutos depois, Sara enviou mensagem no meu whatsApp, informando que acabara de ligar no Corpo de Bombeiros, e que a “ideia” era a de levar o animal para a mesma clínica citada por Vieira.
O diretor chegou a perguntar seu eu poderia transportar o gato até a clínica. Por conta da correria da situação, nem cheguei a respondê-lo. Dois minutos depois, Sara escreveu: “Se você estiver sem veículo, creio que os bombeiros levam o animal na clínica”.

Ao se valer da palavra “creio”, Sara caiu na mesma imprecisão do chefe do CCZ, na medida em que apresentou uma informação sem garantia nenhuma, proferida na esteira do mero achismo.

Nesse ínterim, eu publiquei o caso nas redes sociais na esperança de que alguém me ajudasse. A resposta ficou aquém do esperado. As manifestações ficaram circunscritas a críticas endereçadas à prefeitura. Uma delas, assinada pelo meu amigo Vitor Machado, merece ser reproduzida aqui: “Precisa criar uma norma que proíba os animais de se ferirem após o horário de expediente pra não prejudicar a máquina pública”.

Meu próximo passo foi ligar para o Corpo de Bombeiros. Os militares, vale dizer, já tinham sido acionados por Paulo Sara. A corporação, porém, não recebeu qualquer informação quanto à clínica veterinária para a qual o gato seria encaminhado. E mais: os bombeiros sequer sabiam quem iria assumir o transporte.
Em conversa com o atendente do 193, dispus-me a ir até o local para indicar a localização exata do animal. Até então, eu estava em casa, recarregando o meu celular.

Ao voltar na Goulart, deparei-me com uma completa escuridão. Não dava pra ver nada. A situação só foi resolvida com a chegada dos bombeiros, os quais se valeram de farta iluminação para clarear o ambiente. Apesar dos esforços da corporação, porém, o animal já tinha evadido do local.

O relógio acaba de bater 21h30. Eu estou aqui, no conforto do meu lar. E o gato? Como se não bastasse o fato de estar solto, correndo inúmeros perigos, o animal carrega uma ferida que, se for não curada a tempo, pode gerar miíase, a popular bicheira.

O insucesso do resgate de hoje significa que o caso está encerrado? Amanhã, por ventura, a prefeitura irá se mobilizar para encontrar esse gato? A julgar pelas experiências anteriores, creio que não, infelizmente.

Vejamos a situação da prefeitura. A administração alega que não tem condições de recolher cães e gatos em situação de abandono por falta de espaço. Eu concordo com isso. Agora, não oferecer atendimento imediato a um animal ferido?

A prefeitura não deveria dispor de um canal eficiente e ininterrupto entre a população e o CCZ, de forma a evitar que casos como esse precisassem passar pela APRAPI?

O fato de a entidade continuar sendo procurada para resolver casos envolvendo animais mostra, entre outras coisas, que o CCZ não se esforça para deixar claro que animais em situação de rua são de sua inteira responsabilidade.

Você, amigo leitor, sabia que o órgão é obrigado a recolher todo e qualquer animal encontrado solto nas vias públicas de Piraju? Isso está previsto na lei municipal nº 3.057/2007. Eu sei que isso, no momento, é utópico. Contudo, o recolhimento deve ocorrer nos casos em que o cachorro ou gato demandar atendimento médico. É o mínimo!

Se a prefeitura não atua no sentido de estancar o abandono de animais, é imprescindível que, pelo menos, as vidas que estão perambulando a esmo pela cidade sejam assistidas pelo CCZ, sobretudo em situações como a que ocorreu na data hoje.

Não quero acreditar que a prefeitura negligencie o assunto por saber que, mais cedo ou mais tarde, sempre alguma pessoa compassiva vai aparecer para assumir o caso sem que isso gere despesas aos cofres públicos. 

O que mais me revolta é que, a qualquer momento, outras vítimas podem vir à tona sem que haja, na sequência, a resposta imediata e eficiente da prefeitura. O cenário para que isso aconteça está posto: animais soltos já fazem parte da paisagem urbana de Piraju. E isso, vale dizer, não escandaliza a maioria dos cidadãos. Logo, tal realidade não sensibiliza a classe política, uma vez que nossos representantes só são cobrados por ações que envolvam apenas os seres humanos.

Espero que você, amigo leitor, tenha se comovido com minhas palavras. Espero que, na medida do possível, sua (possível) indignação seja somada à minha, de forma a mudarmos as prioridades que impedem que os animais sejam tratados com a mesma atenção conferida às pessoas.

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